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Coluna favas contadas faz um tour pela gastronomia na cidade

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Liana Sabo Publicação:18/09/2015 06:02

O melhor das Alagoas

 

Wanderson Medeiros leva o talento de família às caçarolas do Picuí (Luiz Eduardo Vaz/Divulgação)
Wanderson Medeiros leva o talento de família às caçarolas do Picuí
Em um dos mais belos textos escritos sobre Alagoas, o jornalista, poeta, escritor e, sobretudo, boêmio Noaldo Dantas disse que “Deus, além de brasileiro, era alagoano”. Ao imaginar a criação, o poeta preconizou: “Pegue o estoque de azul mais puro e coloque dentro das manhãs encarnadas de sol; faça do mar um espelho do céu polvilhado de jangadas brancas; que ao entardecer sangre o horizonte” e, mais adiante, completou a receita: “Dê a esse estado um cheiro sensual de melaço e cubra os seus campos com o verde dos canaviais”.

 

Na gastronomia local, quem melhor interpreta o cheiro de melaço e o verde da cana é o chef Wanderson Medeiros que, como Dantas, não é alagoano (o poeta nasceu na Paraíba, e o chef, em Brasília), mas ambos têm em comum a paixão pela terra das muitas águas.


Talento herdado

 

Criado em Picuí, interior paraibano, Wanderson passou a infância entre as panelas da mãe, da avó e de outras quituteiras da cidade. Com o pai, Rosimerio Anacleto, aprendeu a arte de preparar carnes, especialmente a de sol. Formado em administração de empresas, o futuro chef assumiu em 1999 o restaurante da família, em Maceió, que leva o nome da terra natal da família.

 

Desde então, Wanderson tem sido reconhecido como um dos mais importantes criadores da nova cozinha nordestina, estilo gastronômico que consiste em revisitar antigas técnicas e sabores da tradição local com tecnologias e apresentação da alta cozinha francesa. O sorvete de rapadura é um must sem precedentes.


Panela de barro

 

Numa acolhedora casa com varanda (Avenida da Paz 1140, Jaraguá), o Picuí oferece cardápio renovado, com dadinhos de tapioca com natas e bacon crocante; siri com purê de batata-doce; pasteizinhos de queijo coalho e carne de sol (foto); costelinha de porco desfiada no purê de abóbora e molho barbecue.

 

Recentemente, ao comparecer ao programa Mais você, Wanderson Medeiros apresentou workshop sobre leites feitos com amêndoa, coco, amendoim, castanha-do-brasil e castanha-de-caju. Em sua bagagem também havia as tradicionais cuscuzeiras de barro que  levam à mesa pasteizinhos segundo receita da avó.

 

O utensílio rústico e artesanal é feito pela Dona Marinalva, moradora antiga do Quilombo de Muquém, em União dos Palmares, no interior de Alagoas. “Costumo dizer que, se mais alguém apreender o ofício, pago valor alto pela cuscuzeira”, brinca o chef.


Viagem surreal

 

Eles já eram amigos de longa data, mas a amizade se estreitou mais ainda quando os caminhos de Felipe Lacet e Sergio Jucá se cruzaram na Espanha.

 

Depois de ter sido lavador de pratos, enquanto cursava informática, Felipe se formou em gestão hoteleira e trabalhou em diversos restaurantes, inclusive no Etxanobe, premiado com uma estrela no Guia Michelin.

 

A relação de Sérgio com a comida começou muito antes de ele ser chef, pois é neto de Yeda Rocha, uma das quatro ícones da cozinha tradicional alagoana, conhecidas por Irmãs Rocha. Ao ganhar um prêmio de apresentação no concurso de jovem cozinheiro da Catalunha, Sergio foi julgado por René Redzepi, dono do dinamarquês Noma, o melhor do mundo. De volta ao Brasil, ainda atuou no D.O.M., de Alex Atala.

 

 

Surrealismo gastronômico: carpaccio de queijo coalho (Felipe Brasil/Divulgação)
Surrealismo gastronômico: carpaccio de queijo coalho

 

Em outubro de 2012, os chefs alagoanos abriram o Sur (acomodava 28 pessoas) com sete pratos no cardápio. O sucesso foi tanto que tiveram de ampliar as instalações.

 

Um ano mais tarde, inauguraram um novo e sofisticado Sur, no bairro Stella Maris, em um um imóvel decorado pelo arquiteto Rodrigo Fagá e onde já se acomodaram 150 pessoas.

 

“Nossa intenção é fazer uma cozinha sem rótulos. As receitas tradicionais são combinadas com ingredientes e preparações inusitadas, resultando em pratos únicos”, explica Jucá.

 

Absolutamente contemporânea é a cozinha da dupla que usa ingredientes locais, mas se inspira no surrealismo, movimento artístico defendido pelos catalães Salvador Dalí e Miró, cujas três primeiras letras batizam a casa.

 

“O restaurante recebeu esse nome por conta da experiência gastronômica que oferece, provocando todos os sentidos através de seus pratos e ambientes singulares”, explicam os autores, no menu.

 

A experiência começa com pipoca feita na manteiga de garrafa e termina com a versão surrealista da cartola com queijo brie e sorvete de doce de leite (R$ 26).  Telefone (82) 99808-9090.


Raiz mineira

 

Tour gastronômico por Maceió não pode deixar de fora o Divina Gula, restaurante de quase 30 anos que faz comida típica mineira com ingredientes regionais. O dono, chef André Generoso, nascido em Minas e formado em engenharia florestal, foi menino em Brasília. Filho do oftalmologista Celso Generoso, André morou na 105 Sul com os pais e seis irmãos. Já casado com Cláudia Mortimer, também mineira, partiu para a terra das lagoas e se encantou com Maceió, onde percebeu que “faltava um lugar com comida caseira”.

 

“No começo, o local era simples, tinha 15 mesas e um ar de botequim. Eu ficava na cozinha com uma ajudante e a Cláudia trabalhava no caixa e no salão”, lembra.

 

Depois de conquistar vários prêmios, o Divina Gula entrou em 1997 para a Associação dos Restaurantes da Boa Lembrança, da qual André é o atual presidente. O trabalho foi árduo e ele próprio cultiva verduras e temperos, como orégano, alfavaca, rúcula selvagem, alface, mostarda, agrião e couve. Engajado em causas ambientais, o chef Generoso se dedica ao controle da água e à reciclagem do lixo em um sítio em Japaratinga.


Grife em expansão

 

 

 (Marcelo Portela/EM)

 

Além do prato da Boa Lembrança 2015, o Benza Deus, feito com carne de sol de pernil regada com molho de biri biri (limão selvagem), farofa Dona Maria Stella, de farinha, cebola, ovo, linguiça, couve, banana, torresmo e arroz de frutos do mato, por R$ 66, a casa ainda serve os antigos pratos de anos anteriores, mas que vêm sem o brinde, como arroz de quenga rica 2001 e costelinha Zé Pipi 2011.

 

O cardápio regular também é extenso: da carne de sol desfiada com tutu ao frango caipira com ora-pro-nobis; do filé bom de babá à costelinha com canjiquinha — há de tudo da culinária mineira. Telefone: (82) 3235-1016.

 

Outro destaque são os frutos do mar, como polvo grelhado (R$ 58); camarão ao curry no abacaxi (R$ 65) e filé de badejo  grelhado, flambado com licor de laranja ao molho de uvas cultivadas no vale do Rio São Francisco e alcaparras — uma delícia por R$ 72.

 

Talvez em nenhum outro lugar o poema O dia em que Deus criou Alagoas faça mais sentido do que na Lopana que, de frente para o mar, na praia de Jaraguá, serve incríveis caipirinhas, que podem ser escolhidas num cardápio que traz o famoso verso de Noaldo Dantas. Não há controvérsia.

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