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CCBB recebe dois espetáculos com temáticas semelhantes: Trágica.3 e Ve(ne)nus

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Rebeca Oliveira Publicação:31/10/2014 07:00Atualização:31/10/2014 11:36
Peças Trágica.3 (E) e Ve(ne)nus (D) (Victor Hugo Cecatto/Divulgação e Fernando Martins/Divulgação)
Peças Trágica.3 (E) e Ve(ne)nus (D)


Desenvolver uma linguagem moderna para textos escritos há pelo menos dois mil anos é tarefa custosa a qualquer dramaturgo. Por medo de soar obsoleto e repetitivo, muitos preferem nem se arriscar. Não é o caso do ator e diretor paulista Guilherme Leme Garcia. Os 30 anos de carreira deram-lhe a bagagem necessária para usar ferramentas da dramaturgia a seu favor na concepção de Trágica.3.

A começar pelo enredo, que apresenta releituras de três tragédias gregas - Medéia, Electra e Antígona - assinadas por dramaturgos contemporâneos. A primeira é representada no texto Medeamaterial, do alemão Heiner Müller. A segunda foi revisitada pelo paulista Caio de Andrade; e a última recebe novo fôlego com o olhar do amazonense Francisco Carlos. Todas trazem mais que simples monólogos, “são fragmentos poéticos”, como explica Guilherme.

As atrizes Denise Del Vecchio, Letícia Sabatella e Miwa Yanagizawa vivem, respectivamente, Medéia, Electra e Antígona; e enriquecem a peça com interpretações que muito se assemelham a performances, externando com equilíbrio a força e a delicadeza intrínsecas às heroínas gregas.

Os músicos e atores Fernando Alves Pinto e Marcello H completam o elenco e executam a trilha ao vivo junto com Sabatella. Para completar, a premiada estilista Gloria Coelho responde pelo figurino, com toques futurísticos. Eles dialogam com as luzes e o cenário, livremente inspirados na obra do artista americano James Turrel. A peça tem sido aclamada por onde passa e acumula cinco indicações ao Prêmio Shell deste ano.

O lado visceral da deusa do amor

Na mitologia romana, a deusa Vênus representa a personificação do amor e da fertilidade. No entanto, os integrantes da companhia O Teatro dos Ventos se incomodavam com a forma como ela era retratada nas artes: uma figura romântica e bucólica, quando na realidade, em sua origem, Vênus era movida à paixão, mas de uma maneira visceral, que beirava a tirania e a violência.

Na peça Ve(ne)nus, o diretor Fernando Martins resgata a Vênus original. Segundo ele, foi uma "feliz coincidência" estar em cartaz com a peça que tem temática comum a Trágica.3. "Nosso espetáculo dura 55 minutos e começa uma hora mais cedo, então dá para assistir aos dois", comemora.

"O mito romano está presente em toda a apresentação e no enredo, mas não literalmente. Criamos dois personagens, Pedro e Levi, e um deles pede a proteção da deusa, mas ela desce à terra e bagunça a vida dele. Apresento uma face quase perversa de Vênus", explica. Um dos destaques é que a trilha sonora é executada ao vivo, com auxílio de um coro.
 
Confira o clipe de Dormentes:
 
 
Duas perguntas para Guilherme Leme Garcia
 
O espetáculo foi muito bem recebido nas cidades por onde já passou (São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte). Por quê público e crítica tiveram tanta empatia com Tragédia.3?
Estamos muito felizes por toda essa receptividade. O fato de serem três tragédias num só espetáculo já é algo que chama atenção. Como as três - Medéia, Electra e Antígona - recebem uma leitura totalmente contemporânea, isso também resgata o público. Quando se fala em tragédia, logo vem a cabeça a imagem de um espetáculo onde a plateia vai se sentir incomoda, de que será uma peça pesada. Mas, como fizemos uma leitura muito contemporânea, tanto na interpretação quanto no som e no visual, tudo muito trabalhado nas questões modernas, a plateia se sente muito tocada.

O que une as três tragédias?

Toda tragédia sempre acaba em morte, e este é um ponto em comum das três histórias. Além disso, os textos que serviram como base ao espetáculo são, na verdade, três fragmentos poéticos. O dramaturgo alemão Heiner Müller já havia escrito o monólogo baseado em Médeia desde os anos 1990, e o texto é uma verdadeira poesia. Então, pedi para dois autores brasileiros contemporâneos, Caio de Andrade e Francisco Carlos, escreverem os seus fragmentos. Junte a isso um apelo visual muito importante, livremente inspirado na obra do artista americano James Turrel, e temos uma versão totalmente nova destas tragédias. 
 
Trágica.3
Com Denise Del Vecchio, Letícia Sabatella, Miwa Yanagizawa, Fernando Alves Pinto e Marcello H; e direção de Guilherme Leme Garcia. No teatro I do CCBB Brasília (SCES, Tr. 2; informações 3108-7600). Hoje e amanhã, às 21h; e domingo, às 20h. Até 30 de novembro. Ingressos a R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.
 
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Entrevista com Fernando Martins
 
O que os motivou a criar esta trilogia sobre o amor, baseada na deusa Vênus?
O espetáculo Ve(ne)nus encerra a trilogia a respeito da deusa Vênus, na mitogolia romana (Afrodite, na Grega) e todos os outros projetos da trilogia anti romântica foram inspirado em um livro chamado Personas Sexuais, de Camille Paglia, onde ela falava sobre a mudança da representação da deusa Vênus ao longo da história. A visão dela chamou a nossa atenção — a figura da Vênus ou Afrodite foi ficando cada vez mais amena, bucólica, mais suave. Isso é notado, principalmente, nas artes plásticas, até chegar ao ponto máximo, que é a Vênus de Botticelli, que é suave, romantizada, de cabelos longos e saindo de uma concha, como se fosse uma pérola. Essa transformação nos deu este estalo de pesquisar a mitologia mais a fundo e entender as características verdadeiras da deusa, que, na verdade, é muito violenta. Essa amenização de sua figura dela corresponde também ao ideal de romantismo, a uma idealização do amor. A representação dela funciona como um reflexo dessa romantismo acerca do tema, e a mitologia nos dá ideia de uma amor mais violento, um turbilhão de emoções, um arrebatamento.

Como Vênus é representada em sua origem?

Nas referências mitológicas, ela é muito mais mais grotesca do que nas artes plásticas. Tanto em escultura quanto em relatos literários ela tinha duplo sexo, era mulher para cima e homem para baixo. Em outras representações, ela tem barba, por exemplo. Vênus carregava em sua essência essa dualidade sexual. Ela é vista como uma guerreira, segura o mundo pelas mãos, isso nos serviu de inspiração para tentar um novo texto, uma nova peça, em que podemos tocar nesse ponto que é a sua agressividade, a violência e a tirania. E isso surgiu dessa leitura. Camille quem nos apontou este caminho.

Quando montou o primeiro espetáculo sobre o tema, já tinha em mente que seria uma trilogia ou aconteceu naturalmente?

Não tinha em mente fazer uma trilogia, o primeiro projeto foi inspirado nessa leitura, mas abordamos, a princípio, o universo feminino, num projeto chamado [Anti] Romântico, disponíveis em nosso site e blog. Foi um trabalho audiovisual e uma exposição de fotografia e contos, que falavam de amores que davam errado. Era um trabalho bem performático que apresentamos no final de 2012. No ano passado, decidimos sair da performance e ir para o teatro, e fizemos uma peça chamada Uma despedida fiel, que falava de amor e de abandono. Era uma peça muito emotiva, falava de amor e de abandono, mostrando o lado de quem abandonava e de quem era abandonado. Trazíamos, assim, uma discussão entre o amor e a liberdade. Essa peça ganhou o Prêmio Myriam Muniz, da Funarte, e vai circular pelo Brasil em 2015. Depois dos contos, das performances e da peça, percebemos que faltava falar da Vênus, que foi a principal motivadora de tudo isso. O assunto não se acabava, quanto mais nos aproximávamos, mais ele nos contagiava.
 
Ve(ne)nus
Da Cia. O Teatro dos Ventos – Confraria Artística No Pavilhão I do CCBB Brasília (SCES, Tr. 2; informações 3108-7600). Hoje e amanhã, às 20h; e domingo, às 19h. Até 23 de novembro. Ingressos a  R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia). Não recomendado para menores de 16 anos.

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